Postado por Matheus Arcaro em 09/set/2019 -
Postado por Matheus Arcaro em 08/set/2019 -
Postado por Matheus Arcaro em 31/out/2018 - Sem Comentários
Certo dia uma aluna me disse que passava por um momento difícil e perguntou se eu conhecia algum filósofo que tivesse utilizado seu sofrimento como material filosófico. Na hora fiquei comovido, baqueado e, feito uma flecha, veio-me Friedrich Nietzsche à mente. Respondi, citei algumas passagens, porém, analisando mais tarde com cautela, a resposta não me pareceu satisfatória. Respondi, então, em forma de texto público porque, afinal, é provável que seja útil a mais gente.
Nietzsche, quando jovem, foi admirador da filosofia de Arthur Schopenhauer. Para Schopenhauer, a vida não tem sentido porque o homem nada mais é do que uma manifestação da Vontade Una, uma força metafísica cega e irracional. Todo prazer é ponto de partida de uma nova aspiração. Em uma sentença célebre, fica claro o niilismo de Schopenhauer: “a vida não passa de um pêndulo entre o sofrimento e o tédio”. Em suma, viver é sofrer.
Com a publicação de “Humano, demasiado humano” (1878), Nietzsche rompe com seu “mestre”; o pessimismo schopenhauriano definitivamente não era uma boa contribuição para o ser humano. A vontade, para Nietzsche, não deve ser negada, mas afirmada, como criadora, uma vontade plural, múltipla, que ele chamou de “vontade de poder”. Eis que a noção de “afirmação da vida” começa a tomar força em sua obra.
Escreveu Nietzsche no Crepúsculo dos ídolos: “O que não provoca minha morte faz com que eu fique mais forte”. Embora tal frase tenha sido vulgarizada nos livros de autoajuda, ela tem um substrato potentíssimo.
A vida de Nietzsche não foi fácil. Sofreu com terríveis enxaquecas, dores nos olhos e no estômago, insônia e náusea. O suicídio passou várias vezes por sua mente. “Pois o terrível e quase incessante martírio de minha vida me dá sede de morrer”, escreveu em 1879. Nesse período, afirmou a amigos que passava três quartos de seu tempo com dores e o restante estafado. Todavia, os períodos de sofrimento mais profundo foram os de maior produção filosófica. A dor passou a ser uma preciosa ferramenta de transgressão e afirmação de si. Dois conceitos, entrelaçados entre si, são essenciais para percebermos o que a frase de Nietzsche realmente significa.
O primeiro, Eterno Retorno, é um norteador afirmativo da vida, da aceitação de todos os acontecimentos independente de seus resultados. Escreve Nietzsche na Gaia Ciência:
“E se um dia um demônio te dissesse: ‘Esta vida, assim como tu a vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda inúmeras vezes; e não haverá nada de novo, cada dor, cada prazer, cada pensamento e suspiro e tudo o que há de pequeno e de grande em tua vida há de retornar, e tudo na mesma ordem e sequência. O que farias? Rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasse assim? Ou responderias: ‘Tu és um deus, e nunca ouvi nada mais divino!’ Se este pensamento adquirisse poder sobre ti, ele te transformaria e talvez te torturasse; a pergunta, diante de tudo e de cada coisa: ‘Quero isto ainda uma vez e ainda inúmeras vezes?’ pesaria como o mais pesado dos pesos sobre teu agir? Ou então, como terias de ficar bem contigo mesmo e com a vida, para não desejar nada mais do que essa eterna confirmação e chancela?”
Em termos sucintos: você teria coragem de repetir sua vida exatamente como ela foi até agora? De aceitar que se repetisse por toda eternidade cada alegria e cada tristeza, cada prazer e cada dor? O eterno retorno é uma navalha existencial. É a hipótese vital que nos incita à afirmação integral da vida.
O segundo, espécie de desdobramento do Eterno Retorno, é o “amor-fati”. De acordo com Nietzsche, é preciso amar o que aconteceu, ou seja, encontrar beleza no necessário, no inexorável, tanto para momentos de felicidade como para momentos de desespero. Transformar o “foi assim” em “eu quis assim” dá um sentido próprio ao que aconteceu. Apropriar-se do acontecido nos torna capaz de seguir adiante. Podemos ler na Gaia Ciência:
“Quero cada vez mais aprender a ver como belo aquilo que é necessário nas coisas. Amor-fati: seja este, doravante, o meu amor! Não quero fazer guerra ao que é feio. Não quero acusar, não quero nem mesmo acusar os acusadores, Que minha única negação seja desviar o olhar! E, tudo somado e em suma: quero ser, algum dia, apenas alguém que diz Sim!”
Em Assim falou Zaratustra, Nietzsche escreveu que “o homem é algo que deve ser superado”. Longe de interpretações rasteiras, o pensador alemão está nos convidando à superação de nós mesmos. E isso não está numa tábua de leis ou valores, num livro ou num conselho. “O fraco quer que a mudança venha de fora porque não consegue operá-la de dentro”, consta na mesma obra. O forte consegue a verdadeira mudança, que brota de si. Para você, aluna querida, e para quem mais estiver pensando em desistir por conta das dificuldades ou sofrimentos, ouse ser forte, ouse dizer sim. “A vida só se justifica como fenômeno estético”, afirmou Nietzsche em O nascimento da tragédia. Se concordarmos com o bigodudo nascido em Röcken, a vida é uma obra de arte e você é artista de si mesmo.
Postado por Matheus Arcaro em 31/out/2018 - Sem Comentários
(Resenha publicada por Luigi Ricciardi originalmente no Acrópole Revisitada)
Dizem, muitos dos filósofos que se dedicam a pensar sobre a morte e sua relação com as sociedades, que a experiência de morte é intransferível e jamais, deveras, compartilhada. O luto, a saudade e a dor sim são elementos que compartilhamos quando alguém querido de nosso entorno nos deixa (com ou sem aviso). Entretanto, a experiência da morte seria única, pertencente a cada ser, à sua maneira. A nossa morte é única, embora a ideia de morte seja partilhada.
O que dizer então sobre as pequenas mortes que temos no cotidiano da vida (não falo da petite mort, essa que nos transcende)? Se biologicamente não morremos de supetão, pois o corpo vai envelhecendo pouco a pouco e, assim, morrendo, o que dizer das mortes dos sonhos, dos amores, das coisas queridas como um todo? A morte rouba os amores que nunca, de fato, nos pertenceram. Essas podem ser compartilhadas.
Aliás, amor e morte, geralmente classificados como opostos e distantes, tendem a se tocar muitas vezes na vida. Por isso o título “Amortalha” foi uma ótima escolha vocabular de Matheus Arcaro para seu livro de contos, publicado pela Patuá em 2017. O que o título quer mesmo dizer? Apenas vestir com mortalha um corpo morto ou relacionar amor e morte em uma só palavra que cobre o ser humano em sua total existência? A resposta fica para o leitor.
A morte pode significar um certo renascimento como em “Fora do ar”, conto pincelado de fantástico, que substitui o “assistir” pelo “ver”, da passividade à ação. A poeticidade da morte, pelo olhar de uma criança em “Pra onde a gente vai?” é ligada ao ciclo da vida: não se vai, fica-se, renova-se. Há várias mortes que tocam a personagem Sara em o conto “Fé”, um esquartejamento de esperanças que vai decepando os membros dessa fé nas coisas, para salvar o amor que tem.
Como classificar a morte da esperança de um professor, que faz brilhar os olhos de um aluno, cujo comportamento futuro, acrescido de desculpas, destrói um corpo surrado pelo trabalho e tempo? E a morte dos sonhos de uma criança, que após passar anos conjecturando coisas, deixa-se levar à vontade dos outros? São mortes ressignificadas, transvestidas de não morte.
Mas também há, no livro, a morte mais dura, a inevitável foice à qual renunciamos quando ela aparece no portão a assombrar. Em “D. Nenê”, a luta contra a inevitabilidade é dramática. É também uma luta contra o esquecimento e o abandono. Uma luta perdida de antemão. Há também a morte de um amor, que só funciona quando mudo. Sons e palavras são facas assassinas em “Palavras mudas”.
O tragicômico também tem espaço no livro de Arcaro. Em “Linha da vida”, um filósofo trabalha em um centro de atendimento ao depressivo. Atende pessoas que têm vontade de se matar e buscam auxílio para não executar tal ato justamente nesse centro de atendimento. O olhar do filósofo, fatalmente, incentivará, sem querer, a fatalidade.
Destaque ainda para “Salvação”. Contos que trazem uma espécie de reatualização da personagem Baleia de Graciliano Ramos são sempre contos que trazem no seu bojo o amor e a morte de mãos dadas. Com bons momentos poéticos a permear as narrativas, “Amortalha” é um livro para se ler com coração e foice lado a lado.
Postado por Matheus Arcaro em 31/out/2018 - Sem Comentários
A União dos Artistas Independentes organizou em agosto de 2018 sua primeira exposição coletiva. Matheus participou com a obra “Mulheres dentro da Noite”.
Postado por Matheus Arcaro em 31/out/2018 - Sem Comentários
Em setembro de 2017, na Galeria de Arte Ednilton Stevanelli, em Ribeirão Preto, foi realizada a exposição “Matheus Arcaro – retrospectiva”, em comemoração aos 10 anos de produção visual do artista.
Postado por Matheus Arcaro em 31/out/2018 - Sem Comentários
(Resenha publicada originalmente em Os livros que eu li)
Já na epígrafe, Matheus Arcaro nos coloca em contato com a Filosofia. Um fragmento póstumo de Nietzsche, uma frase do Ética, de Espinosa. Tanto quanto o tema da morte, as referências da Filosofia atravessam os contos de Amortalha, naturalmente, numa escrita fluida (nem sempre linear) que usa analogias bem construídas: “Bete arrasta as sandálias como se precisasse desgrudar uma verdade da calçada”, “sua boca, uma metralhadora de Deus”. O leitor versado em Filosofia encontrará alusões que enriquecem a narrativa; o que não for, também aproveitará a leitura, pois as histórias sustentam-se sem as referências. Aqui, vale exemplificar com a ironia presente no conto Má educação, em que o professor de Filosofia, em greve, é agredido pelo policial que foi seu aluno. A Filosofia não salvou o militar, nem o professor, mas as consciências foram aguçadas.
Por toda a leitura, chama a atenção a capacidade de Matheus Arcaro para emocionar. Os contos permitem que o leitor não só “entre” na narrativa, mas que estabeleça contato com sentimentos e situações dos personagens. Parte deste alcance se deve ao fato de o autor conseguir manter a tensão e o mistério enquanto conta. No conto Como fugir? o narrador sente a beleza de forma tão avassaladora que chega a doer. A arte é absurdamente um ápice da capacidade humana de produzir beleza: “Antes a cegueira que os girassóis de Van Gogh.” A beleza da arte é comparada à beleza da natureza, Michelângelo, um deus “torturador”, como o deus que fez o vulcão e a lava vermelha que incandesce: “É deus esfregando a beleza na cara da gente”.
Na coletânea, sobressai a dor da morte nas nossas variadas experiências. A morte de nosso cão, de nosso ente amado, de nosso pai, de nosso filho, mãe, avó. A morte também do amor e a morte em seu avesso: o nascimento. É interessante notar que se no conto Alemão, o filho reage de forma racional à morte do pai, a ponto de parecer não senti-la, no conto seguinte, A flor, a epígrafe de Simone de Beauvoir já desmente toda a situação do conto anterior: “É inútil pretendermos integrar a morte na vida e conduzirmo-nos de maneira racional em face de uma coisa que não o é: que cada um se vire como possa na confusão de seus sentimentos.”, ressaltando a pluralidade dos personagens e dos conflitos. A flor, é um conto belíssimo, em que o amor por Princesa, uma gata, cresce na mesma medida que a solidão de sua dona, Clara, aumenta. As duas se tornam tão ligadas que estabelecem uma linguagem entendida por ambas e até pelo leitor. Matheus Arcaro nos faz acompanhar a dor dos últimos dias da companheira de Clara, doente e à beira do sacrifício. A morte poderá se tornar, então, gesto de amor.
Escritor que não foge ao seu tempo, Matheus Arcaro traz preocupações com relação ao presente e ao futuro das mulheres; seus personagens, não raro, são filhos de mães fortes ou pais de meninas: “Não sei teu sexo e te chamo assim! Ilustração de como será tua jornada caso sejas Camila. É mais profunda a cicatriz de fêmea, filha amada”. Também os cenários são construídos na sociedade das desigualdades econômicas, sociais e políticas. No hospital, a enfermeira de “A graça de Benedito” cuida de todos, indistintamente, inclusive dos moradores de rua que sempre voltam, doentes de novo. Em Fora do ar, o autor nos lembra, criticamente, através do seu jardineiro, que a beleza só poderá ser vista se desligarmos a TV.
Trabalhando também com humor, em Linha da vida, Amortalha traz um conto engraçadíssimo, em que Arthur, atendente em um programa contra suicídio, no seu primeiro dia, conversa com um provável suicida, Francisco (que ele insiste em chamar de Frederico). Porém, pela conversa dos dois, o conhecimento de Filosofia de Arthur (referência a Schopenhauer) só faz piorar.
Amortalha é um livro sobre os fins, sobre os começos, sobre o amor, a certeza da morte e sim, a celebração da vida. Também trata do desejo, inclusive do de morrer. Uma leitura inteligente, envolvente e emocionante.
“Filha, é bom que saibas: o ser humano não é como apresentam nas histórias de herói. Às vezes, ele pratica o mal em nome da justiça, às vezes diz uma coisa e faz outra, às vezes enterra um punhal no peito de quem ama. É bom que saibas que, enquanto algumas pessoas apanham migalhas para tapar os buracos do estômago, outras descartam comida como se fosse água barrenta. É bom que saibas que há pessoas que julgam importante a cor da outra pessoa e o que ela carrega nos bolsos. Saibas, Antonella, que, por seres mulher, o mundo, diversas vezes, vai te esfregar a proibição nas vistas. Vai te trancar portas e podar possibilidades. Vai esconder por trás de discursos coerentes o cimento que ergue a intransigência.
Não, não quero borrar tua visão com meus juízos. Não quero mostrar-te apenas a parte suja dos fatos. Estou certo de que não te assustarás com minhas palavras, mas as usará como combustível pro teu combate diário. Além disso, tu provarás, feito um faminto, a porção suculenta da vida e, com ela, lambuzarás a alma. De alguns destes momentos, sei que vou participar. Passearemos no parque em muitos finais de tarde, iremos ao cinema, falaremos sobre as danças da existência e, com tua mãe e teu irmão, chegaremos à ousada conclusão de que a vida, justamente pela ausência de sentido prévio, tem o vigor de uma bailarina.”
Excerto do conto A gestação de um pai, pag. 114/115
Postado por Matheus Arcaro em 31/out/2018 - Sem Comentários
“Cara, to amando teu livro. Tinha lido apenas um conto, hoje peguei com força, li vários, e estou encantada com a limpidez e a profundidade da tua escrita. Parabéns. Me alegra ler algo tao bom num dia como hoje, me restituiu a sensação de que somos muitos e estamos juntos. Muito corajosa a ideia de por Sócrates e Freud frente a frente. Forte e imagético o conto do motel.”
Postado por Matheus Arcaro em 15/out/2018 - Sem Comentários
Mesa-redonda na Feira Literária de Paraty, na Casa do Desejo com o tema “A arte como porta-voz da condição humana”. Falei sobre a arte a partir do olhar de Friedrich Nietzsche.