O fracassado em busca do lado imóvel do tempo

(Por Vivian de Moraes)

Se você está destinado ao fracasso, o que você pode fazer para entrar para a posteridade? “O lado imóvel do tempo” (Patuá, 2016) é uma busca incessante de Salvador dos Santos por essa permanência na memória dos que ainda virão.

Escritor, filho, amante e profissional fracassado, agora aposentado, tem uma ideia: virar um assassino em série para figurar nos principais jornais e na televisão, já que seus dois livros de poesia, publicados ainda na juventude, foram um fiasco.

A perda de seu cachorro Pessoa o desnorteia, e é com a coleira dele que faz suas vítimas, não sem requintes de exibicionismo. Ele quer não apenas ser encontrado pela polícia, mas ser alvo de entrevistas e cliques.

A história de toda a sua vida é narrada, ora por um narrador onisciente em terceira pessoa, ora pela voz do próprio protagonista, em fluxos de consciência da melhor qualidade.

Mas a cereja do bolo é a ironia, a tônica do livro. Algumas passagens são francamente hilárias, como na abertura do 40º capítulo: “A certeza de que seu nome, enfim, estava tatuado na face imóvel do tempo, fazia de Salvador um membro masculino”. E ele, enfim, tem os seus cinco minutos de fama, até, desacoroçoado, desistir da posteridade.

A masculinidade da personagem, aliás, é extensamente abordada, desde as suas primeiras práticas onanistas, até o enfrentamento do pai, pastor de igreja evangélica e que, a despeito de toda a falta de amor, é quem resolve inclusive a vida profissional do então jovem Salvador no seu ingresso no Banco do Brasil, num cargo em que permaneceria até se aposentar.

Francamente edipiano, Salvador, tão minúsculo em sua existência, não logra ter o amor de mãe como o desejado, nem se casar de vez com Susana, personagem central da história e do seu arremate. Solitário, ele não vive uma vida com um cachorro com nome de poeta, ele vive uma vida de cachorro por não inscrever seu nome na história, seja como poeta, seja como assassino em série.

A leitura desta obra de Matheus Arcaro é leve e fluente, sem ser superficial. Uma ótima dica de leitura.